Depósito de Textos

Aqui o impossível se torna realidade...

(Lucius)
Eu tinha prometido a mim mesmo: nunca mais tente bancar o herói e intrometer-se nos assuntos alheios. Não cumpro com minhas promessas á um bom tempo...
Passeava pelas ruas de Paris, esperando o sol nascer para voltar, quando vi três homens bêbados debruçados sobre algo na calçada. Talvez fosse um animal morto, já que chutavam e esmurravam. Uma incrível curiosidade me fez aproximar-me e constatar que não se tratava de um animal, mas de uma garota. Admito que não consegui vê-la ser espancada e deixar que os malfeitores se livrassem. Chamei-os. Eles se viraram como cães obedientes, mas não tinha o que dizer, somente precisava agir.
Saltei em cima do primeiro, arranquei-lhe os dois braços de uma vez. E esmurrei-lhe a face, quebrando a mandíbula. Larguei-o na rua enquanto seguia atrás do outro que corria e gritava desesperado. Chutei-lhe a cabeça para longe. Ela caiu dez metros longe do corpo que ainda se contraía. E terceiro estava imóvel, assistindo o show. Aproximei-me dele devagar. Ele olhou para mim com pavor. Eu sorri. Não me privem deste deboche! O corpo sem braços do seu companheiro ainda murmurava algo. Estiquei minha perna e amassei-lhe o tórax. O murmurinho passou. O ultimo homem quase não respirava, apenas me fitava com seus olhos incrivelmente grandes de pavor. Estendi minha mão até seu pescoço, levantei-o no ar. Ele olhava desesperado para mim, mas não conseguia dizer nada. Joguei-o no chão e ouvi os ossos serem quebrados.
Finalmente os três corpos jaziam calmos. Andei na direção da garota. Estava tão machucada que podia se localizar nitidamente onde não havia marcas. Os cabelos ruivos estavam espalhados pela neve suja e fria e a pele branca, manchada de vermelho e roxo. O vestido rasgado, mostrando-lhe as pernas bem torneadas. Os olhos fechados, quase como se estivesse dormindo. A boca vermelha do sangue, ainda tinha um mínimo esboço de sorriso. Segurei a pequena criatura nos meus braços enquanto a levava para um lugar seguro. Um lugar que talvez eu pudesse cuidar dela e ampará-la até que estivesse sadia o suficiente para decidir o que fazer de sua vida.
Ás vezes penso que o destino nos prega peças muito estranhas. Não sabia o quanto essa garota ainda tinha a me oferecer
Corri pela noite fria levando comigo a garota que parecia dormir. Tive medo que estivesse morrendo, mas ouvia seu coração bater, ainda que lentamente. Quando cheguei ao castelo, levei-a direto para o quarto de hóspedes. A pequena moça não tinha a mínima chance de sobreviver se eu não interferisse de um algum modo sobrenatural. Ela não falava nada, mas eu sabia que, se pudesse gritaria de tanta dor.
Eu era sua única salvação. Levei meu pulso à boca e rasguei-o sem a mínima piedade, estava inteiramente concentrado nela. Antes que cicatrizasse, derramei sangue em sua boca, mas ela não fez um só movimento. Seu peito mal se movia com a respiração fraca. Sentei-me na poltrona ao lado da cama, esperando alguma reação, mas a garota parecia não se mover. Se meu coração batesse, estaria rápido. Meus músculos estavam tensos enquanto eu esperava alguma reação dela. Nada. Levantei-me e comecei a andar pelo quarto, estava impaciente. Olhei para a garota mais uma vez, não havia mudado nada, ela ainda tinha a respiração fraca e os ferimentos cobrindo-lhe o corpo.
Deixei minha cabeça cair entre as mãos. Será que eu não podia sequer salvar uma garota? Ora, pelo menos uma boa-ação! Pelo menos algo bom! Eu pedia, não sei por que, para que aquela garota sobrevivesse. Eu não sabia nada sobre ela, se tinha família, se era casada, se tinha filhos... Nem seu nome eu sabia, mas eu pedia incessantemente pela sua vida.
Então eu ouvi. O coração dela estava tão baixo que quase não se percebia, mesmo sendo um vampiro. Ele batia lentamente e, não sei se ouvi mal ou algo do tipo, mas por um segundo ou dois, ele parou. Gelei por dentro. A garota tinha morrido? Não poderia ser, não havia como!
Ela não poderia morrer, eu tinha dado meu sangue! Eu só estava pedindo uma coisa, será que não poderia acontecer? Passaram-se alguns segundos de angustia, mas para minha felicidade, voltei a escutar a batida ritmada em seu peito. Dei um pulo da cadeira e em menos de meio segundo, já estava em pé ao lado da cama. Surpreendi-me quando vi a sua face. Estava completamente regenerada. Pude contemplar sua beleza. Ela abriu os olhos. Os olhos mais tristes que eu tinha visto até então. Mas, além da tristeza, vi por uma fração de segundo, sua alma e isso bastou para encantar-me. Uma alma que não contentava em irradiar através de sua pele, de sua respiração, mas brilhava através do azul de seus olhos. E, ao mergulhar neste oceano, pude ver o óbvio que não tinha notado: dentro de sua alma não havia somente compaixão, humildade, bondade, mas havia também amor. Olhos tristes amorosos. Pela primeira vez eu quis ver alguém feliz. Como ficariam estes olhos com um brilho de alegria? E sua pele extremamente branca? Ah, aquela pele! A mais fina seda do mundo sentir-se-ia ultrajada em presença desta maravilha. Sedosa, alva, límpida e jovem. Frágil como vidro, doce como mel. Era um convite ao pecado. O modo como a luz da fraca vela refletia nela, era como se milhares de pontos de luz estivessem por baixo de sua pele. Inspirei seu doce aroma quando o vento bateu em seus cabelos ruivos, longos, brilhantes fazendo-os dançar com tanta graça que pareciam ensaiados. Como ela era fascinante! De todos os modos que a via, não encontrava algum defeito. Um instinto protetor me fez quere tomá-la nos braços, niná-la até que as fadas dançassem em seus sonhos, mas não podia. Ela era perfeita demais para eu sequer tocá-la. Desejei mais que tocá-la. Desejei tomar seus lábios num beijo doce.
Era pelo que eu havia esperado durante os anos que vaguei pela terra. Descobri o significado de minha vil existência. Deus sabia que, após eu ver aqueles olhos, aquela criatura e não poder tocá-la faria com que eu sofresse milhares de vezes mais. Pela primeira vez, odiei o monstro que havia dentro de mim. Odiei o ódio em meu coração. Odiei o peso, agora insuportável, da maldade sobre meus ombros. Um nó veio-me á garganta. Eu tinha repulsa pelo que eu era, pela minha impureza. Fechei meus punhos até ficarem dormentes. Desejava poder rasgar a pele que cobria a minha alma, se esta existia ainda. Desejei ser puro o suficiente para ao menos tocá-la. Como desejei! Eu tinha que me conscientizar que ela era apenas um sonho distante, um devaneio. Tudo que eu sempre desejara estava na minha frente e eu não podia ao menos tocar. Uma sensação estranha tomou conta dos meus olhos, era como se estivessem queimando, algo do tipo. Minha visão tornou-se turva. No auge de minha tristeza e confusão, minha visão clareou-se e uma gota escorreu pela minha face. Olhei para cima, procurando de onde viera esta gota, mas o teto estava branco, normal. Num lampejo, dei-me conta que aquela lágrima saíra dos meus próprios olhos. A felicidade inundou meu ser. Se eu havia chorado, conseqüentemente haveria uma alma dentro de mim. Mesmo que fosse um rastro de alma, ainda havia uma e isso me dava esperanças de um dia ser bom o suficiente para tocá-la, talvez até beijá-la. Sorri e olhei em seus olhos mais uma vez. Estavam abertos, fixos em mim. Vi seus lábios se movimentarem e esboçar um sorriso, então seus olhos fecharam-se e ela adormeceu. Mas ela havia sorrido, então dentro de mim havia uma festa.

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Aqui você encontra alguns dos meus textos. Lugar onde sonhos são reais, amores são possiveis e a morte não pode nos deter. Sonhando e fazendo dos sonhos realidade!

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