Depósito de Textos

Aqui o impossível se torna realidade...

O sol estava começando a nascer quando eu me aproximei da varanda. Lembrei do dia em que escutei pela primeira vez a musica de Gabriel e isso fez meu coração não mais doer, mas arder, queimar pela sua falta. Todos me diziam que, com o tempo, eu iria melhorar, acabar me conformando, mas estava tudo ao contrário, porque a cada dia que passava meu mundo parecia mais desordenado, a dor só aumentava e eu tinha a certeza de que nada estava como deveria ser. A voz de Bianca ecoava na minha cabeça “um dia tudo irá passar e você verá que superou...” , mas superar para mim era trair meu coração e as memórias que Gabriel tinha deixado. Sentei-me no chão frio e chorei baixinho, rezando para que Deus o mandasse de volta.
Não sei quanto tempo se passou, mas quando dei por mim, estava toda molhada pelas lágrimas. Enxuguei-as e fiquei olhando o céu, até que algo tocou meu ombro. Incrivelmente eu não me assustei ou tentei me levantar, apenas coloquei minha mão em cima e o contato foi algo inesperado. A mão era sólida e fria como gelo, mas me passava um conforto imenso, apesar de que tive medo de virar e me decepcionar ao ver que não era quem eu esperava. Simplesmente abaixei minha cabeça mais uma vez e comecei a chorar, interrompida por uma voz:
-não chores, Laura.
Meu coração saltou. Não poderia ser verdade, eu não poderia estar escutando aquela voz. Pela primeira vez eu admiti que Gabriel estava morto e que eu deveria parar de esperar que ele voltasse para mim, mas quando eu ouvi a voz de novo, tudo se desfez:
-estou aqui, veja.
Relutante, eu me virei e lá estava Gabriel, iluminado e sorrindo com um grande par de asas que se estendiam por quase todo o quarto e refletiam calor. Levantei-me e passei meus braços por seu pescoço, abraçando-o com toda minha força. Eu podia sentir o seu cheiro, seu toque e seu amor me inundar completamente por dento e eu sorri como nunca antes, até que ele desvencilhou-se me olhou. Uma lágrima escorreu dos meus olhos enquanto ele falava:
-Eu prometi que te faria feliz, não poderia partir e te deixar triste.
Eu tomei a sua mão enquanto chorava:
-Promete que nunca mais irá embora.
Ele segurou meu rosto, trazendo-me mais para perto:
- Juro que não deixarei que nenhum mal encoste em ti e estarei disposto a dar a minha vida quantas vezes forem preciso para te proteger.
Olhei no fundo de seus olhos azuis celeste:
-Prometa-me que ficará comigo.
Então ele me beijou, mas na minha cabeça ecoava a sua voz:
-Estarei contigo para todo o sempre.
Foi nesse momento que despertei. Ainda estava sentada na varanda sentindo uma sensação enorme de paz, quando meu ombro esquerdo começou a arder. Abaixei a camisola com cuidado e vi que lá havia um par de asas tatuadas em azul. Sorri comigo mesma. Ele sempre estaria comigo e nem a morte nos separaria, agora eu tinha certeza.

A rua estava escura e deserta enquanto eu caminhava rápido até uma casa abandonada, a última do quarteirão. Tirei as chaves do bolso da calça e abri a porta. Estava tudo escuro lá dentro, mas eu não tive dificuldade de encontrar as escadas, subir até o corredor e abrir a porta do primeiro quarto. Procurei algo diferente, mas tudo estava igual a noite passada, inclusive o garoto deitado na cama.
-Arthur?
Chamei seu nome, mas como ele não respondia, olhei rapidamente para seu rosto e deduzi que estava dormindo, então comecei a tirar as faixas dos ferimentos que, para minha surpresa, estavam todos curados. Assustada, deixei cair um vidro de remédio no chão e o garoto despertou. Eu tentei levantar para limpar a bagunça, mas ele segurou meu braço:
-Clarisse?
Eu tentei não olhar para seu rosto, mas não consegui e me perdi em seus olhos azuis. Eu deveria fazer somente meu trabalho e ir embora, mas eu era fraca e sempre o olhava. Eu não podia deixar sua beleza me encantar, mas não admirá-lo era impossível. Os cabelos longos e escuros perfeitamente ajustados com sua pele pálida e a boca vermelha. Se anjos existiam, seriam à sua forma.
Eu consegui me desprender de seu olhar e afastar minha mão. Eu tinha que me concentrar nas coisas.
-Você já está bem. Já acabei com tudo.
Ele continuou olhando para mim, eu percebia pelo canto do olho enquanto tirava as ataduras de seu braço. Coloquei as coisas dentro da minha bolsa, mas quando estava levantando, ele segurou minha mão novamente e chamou meu nome com aquela voz melodiosa e sedutora, mas eu não o olhei.
-Eu sei que você precisa do meu sangue. Eu vou te dar, mas em troca eu quero que você pare de me encantar e fingir que está morrendo.
Ele sorriu e sentou-se na cama, dando espaço para que eu me sentasse ao seu lado. Fui até lá e estiquei meu pulso, mas ele segurou meu pescoço. Eu o empurrei para longe:
-No pescoço não. No pulso e nada mais.
Ele sorriu debochadamente:
-Assim não tem graça.
Senti-me ruborizar e me virei para encará-lo, pronta para dizer poucas e boas, mas ao olhar em seus olhos, eu esqueci tudo e a única coisa que me veio à cabeça foi o beijo que trocamos na noite passada.
Como se lesse minha mente, segurou meu rosto e me trouxe para perto de si, me beijando mais uma vez:
-Me deixa te transformar.
Eu segurei a sua mão na minha e encostei meu rosto no dele.
-Você sabe que não é assim.
- Você sabe que eu só estou preso a este lugar sem me alimentar por semanas apenas por sua causa.
Eu dei as costas e ele, que me abraçou e cheirou meus cabelos.
-Por favor, Clarisse. Eu amo você. Eu não suportaria te perder.
Eu sabia que era verdade, apesar da voz do chefe ecoar na minha cabeça:
-Não se distraia, sua missão é matá-lo antes do amanhecer.

Era o dia das bruxas e todos estavam frenéticos para o baile à noite. Bem, todos aqueles que tinham um par e eu não era um desses, mas já tinha programado uma maratona de filmes de terror, até que ele entrou na sala. Foi algo estranho, como se tudo parasse para que ele pudesse entrar. O vento parou de soprar, as folhas de caírem e eu de respirar quando ele sentou ao meu lado e sorriu. Os cabelos escuros caiam desordenadamente pelo rosto extremamente branco, que contrastava com os profundos olhos azuis. Ele me tocou com o cotovelo e eu me virei para olhá-lo estender a mão em minha direção:
-Arthur, Prazer.
Ainda em êxtase, apertei sua mão:
-Laura.
Eu voltei a olhar para frente, mas ele puxou assunto:
-Eles são sempre assim?
Eu sorri:
-Não, é que hoje é o baile do dia das bruxas. Como se fosse algo de extraordinário...
-Você não vai?
Eu tentei esconder meu rosto olhando pela janela.
-Com certeza não.
-Nem comigo?
E quando eu me dei conta, estava dançando com Arthur no meio do salão com suas mãos presas na minha cintura e nossos olhares fixos um no outro.
O incrível é que conversávamos normalmente quando começou a tocar uma musica mais lenta e ele me beijou. Não sei o que deu em mim, mas não o impedi e acabei beijando-o de volta. Eu estava leve, sentia seu coração bater junto com o meu e borboletas no estômago.
Até a música parar e dar lugar a gritos histéricos. Afastamo-nos e olhamos em volta a procura de algo que explicasse aquele alvoroço, mas tudo aconteceu rápido demais e quando vi, a mesa de doces explodia em milhares de cacos de vidro voando para todos os lados. Alguém se aproximou de Arthur e eu corri para ajudá-lo, mas algo acertou minha cabeça e tudo ficou escuro.
Não sei quanto tempo passou, mas quando acordei, Arthur estava inconsciente ao meu lado e perdera muito sangue. Arrastei-o para perto de mim com o máximo de cuidado. Minha cabeça latejava, mas eu tinha que cuidar dele, que parecia estar inconsciente e cada vez mais pálido. Rasguei um pedaço da barra do vestido e limpei o seu rosto, procurando a ferida por onde saíra tanto sangue. Não havia cortes aparentes em sua cabeça nem no resto de seu corpo, mas havia muito sangue nele, tinha que estar ferido.
Eu chamava seu nome, esperando que ele acordasse, mas tudo em vão. Passei a mão por debaixo de sua cabeça e o trouxe mais para perto de mim. Eu já não conseguia conter as lágrimas e rezava incessantemente para que Deus o deixasse sobreviver.
Inclinei a sua cabeça e trouxe sua boca para perto da minha, beijando-lhe os lábios frios e imóveis, mas o beijo não teve resposta e sua cabeça pendeu para o lado, revelando o pescoço ensangüentado.
Foi então que um calafrio percorreu toda a minha alma.
E eu vi que no pescoço de Arthur havia dois pequenos furos.

O dia tinha sido longo demais para variar: prova surpresa de álgebra e turno duplo na lanchonete. Dei graças a Deus quando entrei em casa e subi direto para o meu quarto, eu só queria deitar e dormir. As coisas pareciam normais, somente até eu abrir a porta e ver que tudo estava revirado e o teto tinha desabado. Ainda estava em choque quando vi algo se mexendo por baixo dos escombros. Segurei o meu abajur e investi contra aquilo que descobri, depois de muitos golpes, ser um garoto. Ele levantou-se rápido, e quando me viu, gritou:
-Pare com isso! Sou eu, Gabriel!
Empurrei-o para longe, e percebi que era o novo garoto da minha sala, que tinha sido transferido no meio do semestre. Ele nunca chamara minha atenção, bem, quer dizer, ele poderia ser muito bonito com aqueles cabelos escuros e agitados, sem falar nos olhos azuis e o físico de morrer, mas eu estava mais preocupada em passar nas provas semestrais e me livrar dos acidentes que me perseguiam.
-O que você está fazendo aqui?
-Você tem que fugir!
-Não vem com essa história. Eu quero que você arrume esta bagunça.
E ainda me olhando atônito, ele veio até mim e segurou meu braço, fazendo com que eu olhasse diretamente em seus olhos azuis.
-Eles estão atrás de você, querem te pegar.
Pelo tom de sua voz, eu soube que não era hora para piadas. Senti o pavor dentro de mim por algo que eu nem sabia o que era, mas estava chegando. Era loucura acreditar em um garoto que acabara de chegar à cidade, mas foi isso que me manteve viva, porque no instante em que ele me puxou para perto de si, algo grande e escuro arrebentou o teto do meu quarto e caiu exatamente onde eu estava sentada há pouco. Gabriel empurrou-me para trás dele e ergueu uma espada de prata na mesma hora em que o espectro erguia-se dos destroços. A luz da lua não me fez ver muito, mas meu coração fez-me acreditar que era algo perigoso.
O espectro investiu contra nós gritando enfurecidamente, até que Gabriel desferiu um golpe em seu tórax, fazendo-o explodir em pequenas faíscas, mas algo deu errado e feriu gravemente todo o lado esquerdo de Gabriel.
Corri até ele e ajoelhei-me tentando amenizar a ferida, em vão. Eu me via implorando para que ele sobrevivesse, mas sua respiração ficava cada vez mais devagar. Encostei minha cabeça no ombro dele e chorei.
-Não se vá. Por favor, fique!
Não sei como, nem de onde, mas uma luz inundou todo o quarto e quando eu dei por mim, Gabriel tinha um par de asas gigantes e brancas.
Ele abriu os olhos e sorriu para mim.
Sim, ele era meu anjo da guarda, mas a melhor parte é que ele estava bem e nada poderia mudar o que passamos juntos, o que ele fizera por mim e as vezes que salvara a minha vida, mesmo que eu não o tenha visto.

Ainda estava escuro quando despertei. Olhei ao meu redor e não consegui descobrir onde estava, mas pior que isso era a dor que saída do meu pescoço e rasgava todo o meu corpo. Eu tentava levantar quando alguém abriu a porta e entrou. De inicio, eu me assustei, mas sua voz acalmou tudo dentro de mim:
-Você está acordada...
Ele aproximou-se de mim e sentou na beira da cama, alisando meus pés. Eu quis levantar para olhá-lo, mas ele me empurrou de volta para a cama.
- Você gemeu de dor a noite toda. Descanse.
Eu deitei, mas o medo me tomou por completo. Eu temia que aquela dor fosse algo sério que me mataria. Uma lágrima escorreu do meu olho. Eu tentei falar, mas as palavras saíram entrecortadas:
- Eu estou morrendo?
Ele sorriu calmamente e tirou uma mecha de cabelo do meu rosto.
-Não, Sarah. Logo a dor irá passará.
- Estou com muito medo. - Choraminguei.
-Acalme-se e tudo ficará bem.
Ele olhou para a janela, como se esperasse algo e eu aproveitei uma fenda de luz para observar seu rosto. O choque tomou conta de mim quando percebi que ele era aquele novo garoto da minha sala; Aquele que todos achavam estranho, até mesmo assustador, exceto eu, que tentei ser amigável e aceitei uma carona para casa. Droga! Agora tudo fazia sentido e a raiva tomava conta de mim cada vez mais.
Então ele sorriu e eu vi seu sorriso perfeito, apesar dos caninos ressaltarem-se. E foi esse pequeno detalhe que me fez ter um lampejo sobre tudo o que estava acontecendo.
-Você é um vampiro...
Ele chegou mais perto de mim e sorriu, levando o indicador até a minha boca, me fazendo calar:
-Esse é o nosso segredo. Só nosso.
Ele desceu o dedo até o meu pescoço e algo ali latejou. Eu estava tremendo por não querer admitir o que estava acontecendo, mas eu tinha que me manter racional pelo menos agora. Quando falei, foi mais um pensamento alto do que propriamente uma frase:
- Você vai me matar...
Então eu comecei a soluçar, até que ele chegou mais perto e me tomou nos braços. Eu sabia que aquela seria a hora final e continuei a chorar porque eu tinha confiado nele e agora ele me mataria. Só que eu não poderia deixar que ele vencesse tão fácil e comecei a empurrá-lo com todas as minhas forças, ou que restavam delas, mas ele pareceu não se importar e, ao contrário do que eu esperava, ele não rasgou meu pescoço, e sim me beijou.
Quando me soltou, meu corpo já não doía. Olhei nos seus olhos e vi que o azul era terno e profundo, apesar de triste. Ele deitou ao meu lado e acariciou meus cabelos.
Eu continuei sem entender nada, até o sono tomar conta de mim e eu fechar olhos, escutando sua melodiosa voz dizer:
-Durma, Sarah, estou aqui com você. Para sempre.
E eu sabia que era a mais pura verdade.

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